Numa relação de 600 para 10, é óbvio que a minoria ficará na memória da maioria. Dentro e fora dos presídios.
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Foto: Hora do 'tranca' no presídio do Serrotão... |
Nesta quinta-feira (28) “faz 17 dias” sem a presença do Agente Penitenciário do clodoaldo Brito, e manifestamos total repudio de como somos tratados e lembrados apenas na figura profissional que ganha maior destaque quando se mete em
casos de corrupção, tortura e mortes [de presos]. Para contrabalancear,
listamos abaixo uma espécie de Dez Mandamentos para quem se arrisca a
assumir tal função. Assim, quem sabe, o leitor conhece um pouco mais
além da parte podre da história.
1 – Cuidado no trajeto ao presídio. É extremamente fácil saber os dias
em que você está de plantão. Ao sair de casa, olhe bem para todos os
lados. Se for dirigir abuse dos retrovisores, sempre com sua arma a
postos. Parar no sinal é sempre um risco. E lembre-se: não deixe sua
psicose ser maior do que a realidade. Alguém inocente pode pagar caro
pelo estresse da profissão que você escolheu.
2 – Quando chegar à penitenciária, saiba que banho de sol é um direito
do preso. E é você quem vai abrir as celas. Se seu diretor ‘deixar’, vá
armado. Se esse requisito básico de segurança não for permitido (sim, há
quem pense assim), não dê uma de herói para cima dos detentos. Pode
jorrar sangue do seu corpo.
3 – Durante o banho de sol, torça para que as duas horas de “liberdade
coletiva” transcorram em paz. Em caso de rebelião, você é obrigado a
manter a ordem e evitar uma fuga em massa. Mas cuidado: se você matar
algum detento vai gastar dinheiro com advogado e ouvir muitas críticas
por parte de quem não estava lá para apaziguaros ânimos.
4 – Quando terminar o banho de sol, volte a pisar em ovos na hora que
for fechar as celas. Após o sagrado direito da luz solar, alguém tem que
manter os presos trancafiados. Esse alguém é você. E, se por acaso,
eles não quiserem se recolher, saiba que vem bronca pela frente. Você
tem cinco segundos para lembrar o que rezam a Lei da Execução Penal e o
Código Penal Brasileiro (e a Bíblia, se achar preciso).
5 – Mas digamos que o banho de sol foi tranquilo (‘normal’JAMAIS
será!). Se você for escalado para uma escolta até o fórum judicial, seja
curioso. Quem é o preso? De que cidade ele é? Que crime cometeu? Qual a
sua pena a ser cumprida? Ele tem ligação com quadrilhas ‘organizadas’?
É, muitas vezes alguns agentes não encontram tempo para fazer
esse levantamento antes de sair com o apenado do presídio, com medo de
atrasar a audiência e tomar uma bronca do juiz. Bem. Você é quem
sabe...
6 – Presos também são feitos de carne e osso, também adoecem e vez por
outra precisam ser levados ao hospital. Tome as mesmas precauções acima.
Em Campina Grande [por exemplo], dois agentes penitenciários esqueceram
essa lição ao levar um detento para um posto de saúde no bairro da
Palmeira e tiveram armas apontadas à cabeça dentro da unidade. Na fila
de pacientes havia cerca de 20 pessoas. Mais da metade eram comparsas do
preso, disfarçados. “Se reagir, morre aqui mermu!” Renderam os agentes e levaram o parceiro embora...
7 – É, presos também têm coração e choram a perda de um ente querido.
Por isso, a lei lhes garante uma visita rápida ao local onde um familiar
esteja sendo velado ou sepultado. Você lembra do cenário de um velório
[mãe, pai, irmãos, crianças, idosos, vizinhos, amigos...]? Você tem
certeza vai efetuar um disparo?...
8 – Voltemos ao intramuros. Vez por outra, você deverá vasculhar as
camas e roupas dos presos, em busca de armas e drogas. Uma pedra de
crack [por exemplo] custa em torno de R$ 10,00. Cem pedras retiradas dos
presos já são R$ 1.000,00 de prejuízo no negócio. Quanto mais você
tirar, maior será o desfalque. Agora responda: quantos desafetos você
irá acumular nos seus cinco, dez, vinte, trinta anos de profissão?
9 – Os que mais lhe criticam [destrutivamente] dormem um sono pesado
com a cabeça num confortável travesseiro. Você, quando estiver de
plantão, não pode dormir no ponto. Na esmagadora maioria das unidades
penais amapaense a parede é uma fileira de tijolos, o chão é terra
fofa, câmeras de segurança são coisa de cinema e o poder bélico
disponível é simplesmente ‘impublicável’, sob pena de estarmos piorando
ainda mais a situação. Mas se houver fugas, relaxe. A falta de estrutura
será suplantada pelo excesso de especialistas no assunto.
10 – As 24 horas de plantão foram tranquilas? Ótimo. Mas não vá
comemorando. A volta para casa é tão maliciosa quanto a saída dela. Não
se esqueça, é extremamente fácil saber os dias em que você está de
plantão. Ao sair do presídio, olhe bem para todos os lados. Se for
dirigir abuse dos retrovisores e cuidado: parar no sinal é sempre um
risco. Carregue sua arma sempre a postos e só sorria quando chegar à sua
casa. Uma família lhe espera. E somente ela é capaz de esquecer a parte
podre da profissão que você escolheu.
Matéria retirada na íntegra do ParaibaemQAP em base ao Amapá.