Eles são esquecidos pela sociedade e têm expectativa de vida de 45 anos. Estado
têm 152 unidades prisionais, sendo 38 Centros de Detenção Provisória, e
concentra a maior população carcerária do País
por Carlos Ratton
Se você perguntar para
qualquer criança o que ela gostaria de ser quando crescer vai ouvir inúmeras
profissões. Mas, com certeza, nenhuma delas vai dizer: eu gostaria de ser
agente penitenciário. E não é difícil descobrir o porquê dessa verdadeira
ojeriza a esse tipo de trabalho: o profissional trabalha em condições
precárias, a sensação de perigo é constante e tem uma expectativa de vida entre
40 a 45 anos de idade.
As informações fazem parte do relatório final de um trabalho de pesquisa,
comandado pela professora doutora Rosa Maria Ferreiro Pinto, da Universidade
Católica de Santos (UniSantos), voltado para avaliar, entre outros pontos, o
estresse ocupacional de agentes de segurança penitenciária do Centro de
Detenção Provisória (CDP) Doutor Luiz Cesar Lacerda, de São Vicente.
“A experiência adquirida nessas pesquisas mostrou que o sistema penitenciário é
um universo altamente complexo e expõe de forma nua e crua a face mais perversa
da miséria humana e das consequências de um sistema produtivo injusto e
desigual. Tudo parece calmo, entretanto, isso é uma bomba prestes a explodir de
uma hora pra outra”, aponta o trabalho, que chegou ao Diário do Litoral pelas
mãos do vereador de Mongaguá Renato Carvalho Donato (PSB).
Donato, que participou da pesquisa e trabalhou como agente durante 12 anos (dos
18 aos 30 anos de idade) revela que a escala de trabalho é de 12 horas por 36
de descanso — totalizando 40 horas semanais. Os agentes são os profissionais
que mais contato têm com os presos, garantem a disciplina e a segurança interna
do presídio — condições fundamentais para que todas as outras atividades se
desenvolvam.
Conforme a pesquisa, o
medo, as relações endurecidas que se observam no sistema prisional e a tensão
do perigo iminente que envolve o trabalho do agente penitenciário são fatores
que podem levar ao estresse ocupacional, que interfere significativamente nas
relações de afeto e amizade, podendo, inclusive, desencadear outros problemas
ainda mais estressantes gerando um círculo vicioso de proporções cada vez mais
imprevisíveis.
“A sensação de segurança no trabalho é baixa. Aliado a isso, existe a falta de
reconhecimento, por parte da sociedade, da função social do agente
penitenciário. No entanto, esse profissional é um guerreiro, que entra em um
local perigoso e superlotado, sem arma na mão. Entra com a cara e com a
coragem, abre e fecha portas para centenas de presos e não sabe o que
acontecerá, se sairá ileso e voltará para casa”, afirma Donato.

Agentes penitenciários são esquecidos pela sociedade e podem
sofrer doenças psicológicas (Foto: Divulgação)
Palavra
O vereador e
ex-agente explica que a única arma do profissional é a palavra. Segundo conta,
muitos impasses são resolvidos pelo poder de argumentação do agente. “Há uma
troca. Por exemplo, o preso precisa de um determinado utensílio para sua
higiene pessoal e sabe que é o agente que pode proporcionar isso para ele.
Enfim, toda a vida do preso depende do agente. Até informações sobre mudanças
na política de segurança pública são transmitidas pelos agentes aos presos”.
Donato salienta as
dificuldades de adaptação ao sistema por novos presos que, em muitos casos,
tentam mostrar poder e só mais tarde descobrem que o agente é que consegue
alimentação, um médico, idas ao fórum, enfim. “Só com o passar do tempo é que o
preso descobre que a confiança é tudo dentro do presídio e a perda dela,
associada à perda de controle, é que acarreta problemas como rebeliões”.
Outra questão é a somatória de problemas de saúde causados em função do
trabalho do agente, envolvendo hipertensão, diabetes e outras. Há, segundo
Donato, até casos de suicídio. “Eu perdi um amigo nessa situação. Os problemas
acabam se transferindo para o convívio familiar. O agente penitenciário sofre
sem que a população veja. Ninguém se preocupa com um profissional que acaba
absorvendo as mazelas da sociedade. Ele reeduca a pessoa. Ele cuida de pessoa
que a sociedade não quer mais”.
Donato garante, sem demagogia, ter muito orgulho da ex-profissão. Fora da
Câmara, ele divide seu trabalho de advocacia com outro social que realiza
dentro da Fundação Casa. Com toda a sua experiência, ele garante: “65% dos
presos que conseguem sair voltam para a prisão. Enquanto a política de
segurança pública não for entendida como de Estado, mas sim de Governo, a
situação não muda. É preciso um trabalho intenso e extenso de inteligência,
ação social, educação, saúde básica e, acima de tudo, de acompanhamento à
família do preso. A falta de estrutura familiar, responsável pela superlotação,
vem desde não ter o nome do pai na certidão de nascimento”, finaliza.
Estudo
Outro
estudo, apontado pelo vereador, é o do Instituto de Psicologia da Universidade
de São Paulo (USP), realizado pelo psicólogo Arlindo da Silva Lourenço, que
ratifica que as péssimas condições de infraestrutura das penitenciárias, a
extensa jornada de trabalho e o estresse são os fatores responsáveis pela baixa
expectativa de vida dos agentes penitenciários.
Lourenço
trabalhou como psicólogo em penitenciárias masculinas do Estado e, entre 2000 e
2002, foi um dos responsáveis, na Escola de Administração Penitenciária, pela
implementação de uma política de saúde dos trabalhadores (que acompanhou os
agentes vitimados em rebeliões). Pelo estudo, cerca de 10% dos agentes
penitenciários se afastam de suas funções por motivos de saúde, geralmente,
desordens psicológicas e psiquiátricas.
O trabalho
de Lourenço informa que a realidade precária e carente de equipamentos
materiais básicos do sistema prisional brasileiro foi apontada como fator de
desorganização psicológica dos trabalhadores. Segundo ele, as penitenciárias
são repletas de ambientes úmidos e de iluminação insuficiente, de cadeiras sem
encosto ou assento, e janelas de banheiros quebradas, elementos que comprometem
o bem-estar e a privacidade de agentes e de sentenciados.
Para o
psicólogo, essas condições deterioram e empobrecem a pessoa, além de
influenciar na capacidade de ressocialização do detento. “Como dizer para o
detento que a vida pode ser diferente o aprisionando em um ambiente insalubre,
empobrecido, de miséria e desgraça? Os recursos atuais não permitem a execução
do trabalho do agente penitenciário com decência, o que implica em um não
reconhecimento de sentido na profissão e, por consequência, em um não
reconhecimento de sua função social e de sua existência”, alertava o psicólogo.
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